Porque é tão Difícil Descansar (mesmo nas Férias)?
- sofiarodrigues90
- 4 days ago
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Em tempos marcados pela pressa, pela produtividade e pelo “estar sempre a fazer alguma coisa”, até o descanso pode vir com culpa ou com exigências. Afinal, o que significa descansar de verdade — e por que é tão difícil fazê-lo?
Para nos ajudar a desconstruir mitos sobre o descanso e a compreender melhor a importância de parar, falámos com a Psicóloga Clínica e da Saúde Rafaela Maia, sobre férias, recuperação emocional e as suas implicações para o Bem-Estar.

1. Apesar de as férias estarem associadas à ideia de descanso, muitas pessoas relatam ansiedade e inquietação nesta altura. O que poderá estar na origem desta ansiedade e inquietação nesta altura? Será que a pressão de aproveitar bem o tempo também contribui para esse mal-estar?
Sim, existe muitas vezes esta pressão para “aproveitar bem o tempo” que acaba por contribuir para um mal-estar e consequentemente os sintomas de ansiedade e inquietação que falamos. Sinto que vivemos numa sociedade onde temos que ser extremamente produtivos e estar sempre “a fazer coisas”. Se estamos parados significa, para muitas pessoas, não estarem a ser úteis ou, então, pode surgir a ideia de que “vou só descansar para quando voltar ter mais energia para continuar a produzir mais e melhor”. Assim, acabamos por criar esta auto-pressão de “aproveitar as férias ao máximo, como deve ser” e, isso, muitas vezes implica ter que fazer x viagem ou ter x experiência porque criamos a ideia de que estamos a descansar e a “viver a vida”. A verdade é que, quando o descanso se torna um objetivo a cumprir, pode surgir também a ansiedade ou mais agitação porque “eu tenho mesmo que descansar”. Além disso, não nos podemos esquecer da comparação que existe nas redes sociais e das vidas e férias perfeitas do outro o que, muitas vezes, pode contribuir para uma sensação de falhanço, inadequação, insuficiência e até sentimentos de vazio e não pertença.
2. Vivemos numa sociedade cada vez mais orientada para a produtividade. Que impacto emocional é que isso pode ter nas pessoas, especialmente nesta altura do ano? Enquanto psicóloga, sente que esta época traz desafios emocionais específicos às pessoas, mesmo àquelas que, à partida, não estão em sofrimento?
Enquanto psicóloga, posso dizer que esta altura pode causar uma mistura de sentimentos: a felicidade de ir de férias vs. o stress/mal-estar de ir de férias e depois ter que voltar. Se por um lado, as pessoas podem estar entusiasmadas com a ideia de irem de férias, quererem aproveitar, por outro lado estão agitadas com o como, quando, onde e a expectativa de como vais ser e o que têm de fazer para serem umas férias incríveis. Esta ideia de que temos que descansar e sentirmo-nos bem na época de férias pode causar frustração e até sentimentos de culpa e vergonha quando isso não acontece. É-me importante lembrarmo-nos que podemos estar a vir de um ritmo acelerado de trabalho e, este corte para as férias e para a “pausa total” pode fazer surgir emoções e sentimentos há muito guardados. Quando vamos de férias, à partida, paramos e, se paramos, o trabalho deixar de ser uma constante que está connosco diariamente, e isso pode impactar no nosso corpo e mente, surgindo cansaço profundo, tristeza, vazio, a sensação de que falta algo e, a realidade é que para muitas pessoas isso é desconfortável.
3. A ideia de desligar do trabalho nas férias pode, para muitas pessoas, ser mais stressante do que libertadora. O que poderá estar na origem desse desconforto?
Desligar do trabalho implica, muitas vezes, deixarmos de lado uma parte de nós, algo com que lidamos e estamos a maioria do nosso tempo. Para muitas pessoas, o trabalho não é só o ganhar dinheiro, é o desligar dos problemas em casa, é o único escape ou recurso, é a oportunidade de sociabilização, é o sentimento de validação, aprovação e sentido. Esta pausa pode impactar em vários aspetos desde o sentimento de perda de controlo, inutilidade, desvalorização. Mas o mundo do trabalho também pode ser exigente ao ponto de estarmos num contexto laboral tóxico e de mal-estar e aí entra a antecipação do “quando voltar” que não permite que a pessoa aproveite o presente. Não posso deixar de responder a esta pergunta sem falar das pessoas que não se sentem seguras em fazer estas pausas por receio de perderem a qualidade das relações, o lugar, a importância, oportunidades e, até mesmo, o próprio emprego.
4. Na sua ótica, quais são os sinais e as possíveis consequências de não se fazer uma pausa real durante o período de férias?
Os sinais podem ser vários, ao longo do tempo e subtis. Podemos ir desde as alterações de humor como a irritabilidade, tristeza, angustia, aos comportamentos impulsivos como preencher completamente a agenda com tarefas até aos sintomas físicos como o cansaço constante, insónias, dificuldades de concentração, alterações no apetite.
À medida que o tempo passa e a ausência de pausas consistentes e conscientes se tornam algo persistente pode contribuir para burnout’s, perturbações de ansiedade, perturbações depressivas, desligamentos emocional e alterações negativas nas relações (amorosas, familiares, sociais, etc.).
Digo muitas vezes às pessoas que acompanho que corpo e mente são um só e que não os podemos dividir. Se não descansamos de forma consciente, um dia mais tarde “pagamos as favas”, seja na doença, na diminuição do rendimento ou num esgotamento emocional.
5. Que estratégias podem as pessoas utilizar para se regularem emocional e mentalmente nesta altura do ano?
Em primeiro precisamos refletir sobre o que é o descanso. O descanso pode ser várias coisas, dependa da pessoa que vai descansar. Para umas pessoas pode ser “olhar para o teto”, ler um livro, ouvir musica, fazer uma caminhada. Para outras pessoas pode ser viajar, visitar monumentos e “andar de um lado para outro”. A realidade é que descansar não tem que ser nenhuma destas opções. Descansar implica apenas e só fazer aquilo nos nutre e nos conecta ao presente.
Algumas estratégias podem passar por:
Durante o ano de trabalho ter limites claros (por ex: desligar notificações, não consultar o email);
Praticar atividades que promovam presença e o prazer: como caminhadas, leitura, estar deitado ou simplesmente estar com quem nos faz bem (nem que seja 10 minutos diários);
Reconhecer e acolher emoções desconfortáveis sem julgamento — é normal não estarmos sempre bem;
E, sempre que necessário, procurar apoio profissional para lidar com o mal-estar emocional.
6. Que mensagem deixaria a quem sente que não sabe como descansar — ou que se culpa sempre que tenta parar?
Reforço novamente a frase que referi à pouco: Corpo e Mente são um só, se um não está bem o outro vai dar sinais. Descansar não é luxo, nem sinal de fraqueza. Descansar é uma necessidade básica e um ato de autocuidado. Encontrem o vosso tipo de descanso e coloquem-no em prática.
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